quarta-feira, 1 de abril de 2009

NARRRADORES DE JAVÉ: ENTRE A MEMÓRIA E A IMAGINAÇÃO

No último dia da 1ª etapa de formação do programa GESTAR II tivemos a oportunidade de assistir ao filme Narradores de Javé. A história se passa numa região pobre da Bahia, caracterizada pela miséria e pelo abandono, mas na qual os moradores fazem relatos de grandeza, bravura e coragem dos habitantes da região, como prova da honradez desse povo e de sua história.
O resgate da memória da população tem início a partir de um problema: o Vale do Javé seria inundado para ser transformado em uma represa. Como evitar o sumiço do povoado? O ideal seria demonstrar a importância desta localidade e de seus moradores através do Livro da História de Javé, que seria tido como um documento de posse das terras, como algo “científico”, no dizer daquele povo.
Entretanto, escrever não era tarefa fácil em Javé! A única pessoa que detinha o poder da palavra escrita naquelas redondezas chamava-se Antônio Biá, antigo morador, que havia sido banido da cidade por conta dos seus mal-feitos usando a própria escrita: Certa vez, Biá passou a escrever cartas em nome de outros moradores, sem que fosse do conhecimento deles, e endereçá-las a diversas pessoas da cidade, com o intuito de aumentar o movimento nos correios da localidade, justificando, assim, a manutenção de seu emprego. Evidentemente, tal atitude causou inúmeros problemas, com base no teor sempre comprometedor das cartas que ele produzia.
Contudo, diante da temeridade de ver o povoado desaparecer por entre as águas da represa, os moradores decidem ir à cata de Antônio Biá e exigir que ele escreva o livro tão esperado, até mesmo como redenção de seus pecados perante o povo daquele vale. Biá passa, então, a colher relatos dos habitantes, para subsidiar sua escrita. É aí que entram em jogo a imaginação e a inventividade dos javenianos!
A memória se mostra em todas as suas particularidades, em todas as suas singularidades. Ela se apresenta dinâmica, criadora, um jogo entre a lembrança e o esquecimento. As lembranças evocadas são épicas, de grandes feitos, realizados por heróis que variam conforme o narrador. Indalécio e Maria Dina, por exemplo, são personagens recorrentes nas diversas versões apresentadas, embora seus papéis variem de acordo com os interesses de quem os cita. O que deve ser lembrado? O que deve ser esquecido? O que deve ser forjado?
Nesse jogo de interesses Biá também não fica para trás! Ele usa seu poder, como único morador que detém o conhecimento das letras, para tirar proveito das situações, como lhe convém. Um de seus atos é, inclusive, não permitir que o povo tenha acesso ao registro escrito daquilo que eles mesmos estavam rememorando oralmente, num constante refazer do passado constitutivo de sua história, de sua identidade. Entretanto, o que há por trás dessa postura de Antônio Biá é, de fato, a tentativa de encobrir seu fracasso enquanto escritor, pois de tudo que ele ouviu, nada foi por ele registrado no papel!
Quando os moradores descobrem que o livro está em branco, expulsam novamente Biá do vilarejo, que é realmente inundado. Ao presenciarem o Vale do Javé mergulhado nas águas da represa, seus antigos habitantes também mergulham, mas num mar de dúvidas, de incertezas: O que será da vida desse povo a partir daquele momento? Será que sua identidade imergiu junto com o vale? Vulneráveis, em meio a essas hesitações, os javenianos viram alvo fácil para o esperto Antônio Biá, que aproxima-se deles sugerindo que escrevam, então, a historia do fim do Vale do Javé, um resgate da memória do vilarejo que sumiu.
Biá parece argumentar fundamentado nas palavras do historiador Jacques Le Goff, segundo o qual “A memória onde cresce a história, que por sua vez a alimenta, procura salvar o passado para servir o presente e futuro. (...) a memória coletiva é não somente uma conquista, é também um instrumento e um objeto de poder” (História e Memória, p. 476, 477). O povo, por sua vez, embarca novamente nas intermináveis narrações que misturam memória e imaginação, pois, como destaca Le Goff, “a memória é um elemento essencial do que se costuma chamar identidade, individual ou coletiva, cuja busca é uma das atividades fundamentais dos indivíduos e das sociedades de hoje, na febre e na angústia” (História e Memória, p. 476)

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
LE GOFF, Jacques. História e Memória. Tradução Bernardo Leitão, et all. 2° Ed. Campinas: UNICAMP, 1992.

CORDEL: O ADVENTO ESCOLAR DE UM GÊNERO DA POESIA POPULAR

GESTAR II E A LITERATURA DE CORDEL - Entre as artes da palavra a literatura de cordel é uma das mais expressivas, devido o seu caráter popular, oralizado, repleto de ritmo, bom humor, porém, sem deixar de lado um enorme valor estético, que é demonstrado através da abordagem pitoresca dos mais variados temas, como: disputas, amores, profecias, crimes e sofrimentos. Os folhetos de cordel são, portanto, um espaço privilegiado, no qual os poetas populares brasileiros, em sua maioria nordestinos, dão vazão à sua expressão artística.
Sendo assim, a formação continuada proposta pelo programa GESTAR II, não poderia se furtar a mergulhar neste universo tão rico, tanto em termos estéticos quanto temáticos. Desta forma, na Unidade 10 do Caderno de Teoria e Prática 3 (TP3), denominada Trabalhando com gêneros textuais, tem lugar uma seção denominada Uma subclassificação do gênero poético: o cordel, na qual é realizada uma abordagem deste gênero literário, que pouco a pouco vem ganhando espaço no ambiente escolar.
UM POUCO DA HISTÓRIA DO CORDEL - Este é um tipo de literatura extremamente ligada à vida de nordestinos no campo, semi-alfabetizados, que só no início do século XX passaram a migrar para as cidades, buscando novas possibilidades de sobrevivência, e levando consigo a sua arte, repleta de histórias fantásticas, de reminiscências de seus antepassados, de causos das fazendas.
Tal arte não poderia permanecer circunscrita apenas ao grupo de agricultores nordestinos que a criava. Estes, por sua vez, passaram a divulgar seus escritos em praças e feiras, através de leituras ou cantorias dos folhetos pendurados em varais, daí a nomenclatura “literatura de cordel”, relacionada à sua forma de exposição. Os nordestinos, que eram autores, produtores e vendedores de sua própria arte, tornaram-na conhecida de outras camadas da população, divulgando-a desta maneira.
O caminho natural foi a criação de tipografias especificas para a publicação dos cordéis, que antes eram produzidos nas tipografias de jornais, assim como a criação de regras para as características gráficas dos folhetos, que passaram a ser confeccionados entre 8 e 56 páginas, de acordo com o tipo de história que contavam. Muitos autores passaram, então, a dominar todo o processo e a otimizar economicamente sua vida e a de suas famílias.
PRINCIPAIS ESTILOS E TEMAS DOS CORDÉIS - Pelejas são desafios travados entre dois personagens que combatem sobre os mais variados temas, baseados em conhecimentos culturais ou no ato de denegrir a imagem um do outro; Nos Folhetos de Circunstâncias os poetas narram notícias, informam a população sobre fatos do dia-a-dia ou sobre a vida de pessoas ilustres; Há ainda os ABCs, nos quais assuntos diversos são narrados de A a Z, uma vez que cada estrofe começa com uma das letras do alfabeto; Através dos Romances, histórias de heróis valentes e mocinhas indefesas são contadas, em sua maioria, com final feliz.
CAPAS DOS CORDÉIS – Antigamente as capas dos cordéis continham fotos de artistas e clichês de cartões postais. A partir da década de 40 passaram a trazer xilogravuras, isto é, imagens “carimbadas” a partir de entalhes, originalmente feitos em madeira, mas que já vêm sendo geradas também em borracha, pelo artista José Ferreira da Silva, o Dila, que criou a linogravura, em Caruaru. Atualmente, também há cordéis que mostram em suas capas a reprodução de desenhos ou fotos coloridas (Editora Luzeiro).
SUGESTÕES DE CORDÉIS – Os cordéis listados abaixo serviram de subsídio para alguns projetos que desenvolvi em sala de aula. Cito-os como sugestão de bons textos, que dão margem às produções mais diversas:
1. Viagem a São Saruê
2. O romance do pavão misterioso
3. Matuto apaixonado
4. Pinóquio ou o preço da mentira
5. Ganhar dinheiro é fácil, basta ler este cordel
6. Brasil – País de traficantes
7. O duelo de dois cabras da peste contra o dragão da exclusão social
COMENTANDO EXPERIÊNCIAS - É de suma relevância destacar o alto grau de envolvimento dos alunos com os trabalhos propostos acerca da literatura de cordel, assim como os excelentes resultados obtidos através de suas produções e da visão positiva que os mesmos passam a ter em relação a este tipo de literatura popular, muitas vezes relegada à margem pela chamada cultura erudita, que caracteriza os bancos escolares. Portanto, fica aqui o convite para que nós, professores, ajudemos a mudar esta realidade, levando nossos alunos a conhecerem e a se apaixonarem pelo CORDEL!


REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
LÚCIO, Ana Cristina Marinho e PINHEIRO, José Hélder. Cordel na sala de aula. Série Literatura e Ensino. Livraria Duas Cidades. São Paulo: 2001.


MENSAGEM

Digo a vocês, meus amigos,
Que me lêem neste momento,
Coisa boa é o tempo
Que nos clareia os sentidos

Nos faz ouvir, refletir,
Pensar melhor, decidir,
Reformular nossa prática,
Inovar a didática

Pensando no meu falar,
Levando em conta o cordel,
Faça disso seu papel,

Pra na escola atuar
E seus alunos convidar
A descobrir o tesouro
Que é a literatura popular!

HERIKA RENALLY